A importância da neurobiologia animal para os avanços em inteligência artificial

O neurocientista Anthony Zador, do Laboratório Cold Spring Harbor, no estado de Nova York, publicou na semana passada um interessante artigo onde ele defende que o estudo continuado sobre como funcionam os cérebros de animais deve proporcionar os avanços mais significativos ainda por vir na área da inteligência artificial. Nesse trabalho, ele começa relembrando que as enormes expectativas sobre a capacidade das máquinas de “pensar como humanos”, que surgiram na década de 1940 com a invenção dos primeiros computadores, se revelaram absurdamente exageradas. Na última década, essas expectativas voltaram a aparecer, dado o enorme ganho de desempenho das redes neurais artificiais (ANNs, artificial neural networks), que foi em primeiro lugar catapultado pela disponibilidade de processadores cada vez mais rápidos. É inegável que o mundo está numa fase de transformação proporcionada pelos impressionantes resultados de algoritmos de machine learning. Entretanto, como observa Zador, as ANNs ainda estão muito longe de alcançar algo que sequer se pareça com a inteligência humana.

Se por um lado os algoritmos têm se mostrado eficientes em tarefas que nos parecem cognitivamente complexas – como jogos de xadrez -, por outro, eles são incapazes de realizar tarefas que até mesmo crianças de 4 anos realizam de forma intuitiva, sem nenhum esforço consciente – como ler uma placa de trânsito de forma inambígua. Aliás, os algoritmos não conseguem competir em tarefas de natureza mais “orgânica” nem com animais. E tudo indica que essa habilidade não vai surgir do simples escalonamento das abordagens empregadas atualmente.

O autor lembra que a invenção das ANNs foi baseada em princípios computacionais do sistema nervoso. Basicamente, uma ANN é uma estrutura onde neurônios se interconectam para processar dados de entrada até uma saída. Uma ANN é inicializada com pesos aleatórios – ou, em outras palavras, sem “saber” nada -, e através do treinamento – o processamento desses dados de entrada -, ela se “calibra” para “aprender” as relações entre esses dados, e assim tirar conclusões deles. É bem verdade que os animais, humanos inclusive, também aprendem dessa exata maneira, absorvendo informações do ambiente onde vivem até serem capazes de entender suas inter-relações. Mas essa é somente uma forma de aprendizagem no mundo biológico. Existe um certo conhecimento de natureza inata, codificado em última instância no material genético, que passa de geração para geração e não precisa ser reaprendido cada vez que um novo indivíduo nasce. Esse conhecimento também é gerado pela interação dos seres vivos com o mundo, mas num ritmo muito mais lento, através do processo de seleção natural. A evolução das espécies garante que habilidades cruciais estejam presentes por padrão. Só adaptações menores, aquelas necessárias para o grau de mudança encontrado no mundo natural, ficam a cargo do sistema de “livro em branco” que inspira as ANNs atuais.

Zandor então discursa que esse processo de aprendizagem lapidado pela evolução não resulta na presença direta de habilidades no DNA dos animais, mas antes, que esses genes definem estruturas específicas que estarão presentes no cérebro dos indivíduos de determinada espécie, e são essas estruturas que resultam consequentemente nas habilidades em questão. Traduzindo para o mundo da inteligência artificial, essas estruturas seriam representadas por tipos diferentes de redes neurais. De fato, foi da elucidação do funcionamento do córtex visual que surgiram as redes neurais convolucionais, que são otimizadas para entenderem padrões de forma e luz, e assim processarem imagens. Mas ainda que uma estrutura específica permita uma tarefa específica, ela pode trabalhar em conjunto com o sistema de “livro em branco”, possibilitando um grau de refinamento maior. Pense na rede convolucional inicializada com pesos aleatórios, mas treinada com um banco de dados extenso para diferenciar entre várias classes de objetos. É da conjunção desses dois sistemas que os animais atingem o nível de cognição ainda inalcançável pelas máquinas.

Por isso, diz o autor, que os trabalhos neurocientíficos são tão importantes para a próxima grande revolução no mundo da inteligência artificial. Se quisermos que as máquinas pensem como a gente, devemos equipá-las como a gente, até na possibilidade de evoluírem por conta própria. Com a vantagem que a “evolução artificial” pode ser acelerada em comparação à evolução natural que nos trouxe até aqui. Uma vez que uma máquina consiga pensar “como um rato”, aí sim o maior desafio já terá sido vencido, e para fazê-la pensar como uma pessoa, e além, será apenas questão de tempo, pois em termos de estrutura neurobiológica e em escala de tempo evolutiva, a diferença entre a inteligência de um rato e a humana é extremamente pequena. Se as máquinas copiarem nosso cérebro, elas também logo nos alcançarão.

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