O lançamento de um novo medicamento leva em média 10-15 anos e custa 1,5-2 bilhões de dólares. Uma das etapas mais custosas, lentas e menos eficientes é a de testes clínicos. Essa etapa costuma ser dividida em três fases consecutivas. Atualmente, menos de um terço dos compostos em desenvolvimento passam para a fase 3, e menos de um terço desses são finalmente aprovados para produção comercial. Uma vez que essas fases críticas só ocorrem na segunda metade do ciclo de pesquisa e desenvolvimento, e que os testes mais complicados da fase 3 representam cerca de 60% dos custos de teste clínico, as perdas resultantes por cada teste que falha são da ordem de 1 bilhão de dólares. Isso torna a empreitada muito arriscada financeiramente, e faz com que as empresas tenham várias ressalvas quanto a se dedicar ao desenvolvimento de um medicamento que tenha pouco conhecimento científico, ainda que apresente grande potencial.
A maioria das falhas nos testes clínicos, entretanto, não se deve à ineficácia das drogas desenvolvidas, mas a fatores relacionados à seleção e monitoramento de pacientes participantes dos testes. Na etapa de recrutamento, os métodos costumam falhar na seleção dos pacientes com perfil mais adequado à fase de testes clínicos. Na fase final, há ausência de sistemas confiáveis e eficientes para o controle de aderência aos protocolos, monitoramento dos pacientes, e detecção do momento ideal para a finalização do teste clínico.
Uma forma de melhorar esse paradigma usando o atual estágio de desenvolvimento da inteligência artificial foi proposta por um estudo publicado essa semana na revista Trends in Pharmacologial Sciences. De uma forma geral, os autores, filiados ao IBM Research, sugerem a utilização de machine learning (em especial deep learning), técnicas de processamento de linguagem natural (NLP) e interfaces humano-máquina (HMIs) para correlacionar bancos de dados grandes e diversos como boletins de saúde eletrônicos, literatura médica e dados de testes farmacológicos para alcançar uma melhor compatibilidade de pacientes antes que o teste comece, assim como para monitorar pacientes de forma contínua e automática durante os testes, assim permitindo um melhor controle de aderência e avaliação de finalização do protocolo.
Na etapa de seleção e recrutamento, é preciso garantir que os pacientes sejam elegíveis em face de seu histórico médico, que estejam no mesmo estágio da doença para o qual a droga foi desenvolvida, que não sejam de um subtipo que não responde à droga, e ainda que fiquem cientes sobre a ocorrência desses testes para que possam se candidatar. Atualmente, essa exigências fazem com que quase todo protocolo inicie a fase clínica de testes com atraso, e mesmo assim os procedimentos de seleção são bastante falhos dada a complexidade do tratamento dos dados relevantes. As ferramentas de inteligência artificial podem melhorar esse cenário reduzindo a heterogeneidade da população, escolhendo pacientes com maior probabilidade de ter um ponto de saída do tratamento mensurável, e identificando uma população potencialmente mais suscetível ao tratamento. NLP e machine learning podem otimizar processos como o de fenotipagem eletrônica, onde pacientes são organizados em grupos de acordo com as variáveis relevantes que os definem, com base em múltiplos tipos de dados e de registros.
Iniciada a fase clínica, um dos maiores entraves no processo de validação das drogas se deve à necessidade de desligar pacientes. Isso ocorre geralmente porque a rotina a que o paciente deve se submeter é bastante severa: ele deve manter registros detalhados sobre o consumo medicamentoso, a resposta ao tratamento e eventuais efeitos colaterais. Se esse procedimento falhar, a qualidade dos resultados é comprometida e o paciente deve ser substituído, o que acarreta mais custos e atrasos. Por isso, o trabalho do IBM Research sugere usar inteligência artificial para selecionar pacientes com menor probabilidade de desligamento do processo, quando por exemplo sua rotina for incompatível com o protocolo estabelecido. Eles ainda avançam a ideia do uso de dispositivos vestíveis e monitoramento de vídeo para coletar dados automaticamente, tirando esse fardo dos pacientes. Métodos de machine learning podem então analisar esses dados em tempo real, mantendo os investigadores responsáveis constantemente informados sobre cada novo episódio relacionado ao protocolo.
Esse levantamento demonstra que a inteligência artificial pode ajudar em várias etapas de um processo com impacto prático. Nesse caso, ele objetiva otimizar a fase intermediária entre o desenvolvimento de uma droga e seu lançamento no mercado, reduzindo significativamente custos, tempo e até o desconforto causado a pacientes que acabem se revelando incompatíveis com o protocolo. O resultado, de um ponto de vista comercial, é tornar mais atrativo o investimento em medicamentos inovadores, o que tem impacto imediato na qualidade de vida das pessoas afetadas.