Ao contrário do que muita gente pensa, o lançamento de uma solução baseada em machine learning não é o fim da história em sua trajetória de desenvolvimento. Na verdade, os custos de manutenção e melhoria costumam ser muito maiores do que aqueles relacionados à criação de uma solução a partir do zero. Os engenheiros responsáveis por essas tarefas precisam se preocupar não só com a qualidade geral dos sistemas de predição, mas também com seu comportamento em nichos específicos de dados – imagine por exemplo um problema raro cuja solução é específica demais para ser tratada da mesma forma que a maioria dos dados. Além disso, as estruturas dos algoritmos devem ser capazes de realizar tarefas que podem ser específicas para determinado problema, fugindo das generalidades para as quais a solução foi desenvolvida. Finalmente, melhorias podem ser feitas como resultado do fornecimento de mais dados rotulados; a rotulagem pode ser feita programaticamente, mas os sistemas devem ser capazes de aceitar essas informações feitas em múltiplos níveis de granularidade e resolver conflitos entre rotulagens divergentes feitas por sistemas auxiliares diferentes.
Com o objetivo de automatizar essas tarefas e liberar os engenheiros para trabalhos de mais alto nível, a Apple acaba de publicar um artigo apresentando um novo estilo de sistema para administração de dados chamado Overton. O sistema implementa abstrações que permitem aos programadores construir, manter e monitorar seus aplicativos através da manipulação de arquivos de dados, e não código. Aliás, a “programação sem código” já tem se firmado como tendência geral da área, de forma que os programadores possam focar seus esforços nas etapas do processo que ainda estão muito distantes das capacidades das máquinas. Especificamente, o Overton recebe como entrada um esquema, cujo objetivo de desenvolvimento é dar suporte a aplicativos complexos, desde a etapa de modelagem até o deployment automático. Esse esquema tem dois elementos, um similar a esquemas relacionais descrevendo os dados de entrada, e outro relacionado às tarefas que o modelo deve ser capaz de realizar. Informalmente, o esquema define o que o modelo computa mas não como fazê-lo. O Overton é que fica responsável por definir os detalhes da arquitetura de rede, seus hiper-parâmetros, e até que embeddings usar, se for o caso.
A ideia é que, dado um esquema e um arquivo de dados, o Overton seja responsável por inicializar e treinar modelos, combinar os dados de rotulagem gerados por outras ferramentas, selecionar os hiper-parâmetros, e produzir um arquivo binário pronto para a etapa de produção de um aplicativo. A forma com que o sistema trabalha permite que novos treinamentos e o deployment consequente sejam praticamente automáticos. O Overton fornece uma interface onde um modelo de deep learning pode ser implementado sem uso de código, liberando os engenheiros para que possam se concentrar no desenvolvimento dos esquemas relacionais de dados que vão entregar resultados cada vez mais específicos e precisos. O sistema permite o aprendizado multitarefa, onde todas as tarefas são realizadas em paralelo, e aquela de melhor desempenho é selecionada para entregar a solução. Ele também incorpora o uso de supervisão “fraca” – aquela cujos rótulos foram gerados automaticamente mas não são muito confiáveis – através do uso de técnicas desenvolvidas recentemente. O resultado geral é que o Overton se apresenta como um inédito sistema de administração do ciclo de vida de aplicações baseadas em machine learning, cujo foco é o monitoramento e a melhoria da qualidade das aplicações.
É de se esperar que a Apple faça uso do sistema no aprimoramento de algumas de suas próprias aplicações. A Siri é uma das claras beneficiadas. Atualmente, a assistente virtual é bastante limitada, mas com o manejo cada vez mais automatizado e rápido do que acontece “atrás das cortinas” quando o aplicativo é lançado, o nível de complexidade das tarefas que pode realizar tende a aumentar rapidamente. Ao que tudo indica, podemos esperar para logo que os assistentes virtuais se tornem cada vez mais sofisticados, virando um verdadeiro super-assistente de bolso. Mas esse é apenas um pequeno exemplo do potencial de abordagens inovadoras como a apresentada pela Apple com o Overton. Dada a atual velocidade com que a área de inteligência artificial evolui, podemos esperar verdadeiras revoluções nos próximos anos.