O ciclo da água tem impacto em ecossistemas, na agricultura e na disponibilidade deste recurso para as populações humanas. Uma parte de seu estudo envolve a quantificação e o monitoramento da água terrestre, presente tanto em corpos d’água superficiais quanto em reservatórios subterrâneos. O status destes depósitos de água costuma ser medido por satélite, uma vez que a sua movimentação constante gera distorções locais no campo gravitacional da Terra, que podem ser captadas por sensores em órbita. Entretanto, estes dados tradicionalmente têm fornecido informações somente sobre fenômenos de larga escala, de forma que os fenômenos pontuais continuam sendo de difícil monitoramento.
Mas agora, um trabalho publicado por cientistas do Centro de Pesquisas Alemão para as Geociências GFZ (GFZ German Research Centre for Geosciences) promete trazer novas informações sobre o ciclo da água continental. Usando os dados que já são captados pelos satélites GRACE e GRACE-FO, eles treinaram uma rede neural para extrair um conjunto maior de informações em todas as escalas possíveis. O novo método combina a técnica de machine learning com modelos hidrológicos para expandir as conclusões derivadas dos dados gravimétricos. Uma rede neural convolucional foi treinada para reconhecer padrões hidrológicos a partir de dados simulados por um modelo numérico, e seu desempenho foi validado usando dados reais obtidos da região amazônica. A maior novidade metodológica introduzida pelo trabalho se refere ao regime de treinamento: o treinamento e a validação da rede foram implementados de forma que ocorressem em paralelo, assim o algoritmo recebia feedback sobre sua capacidade de processar dados reais, se ajustando para alcançar o máximo desempenho. Este regime se revelou uma forma eficiente de combinar os modelos matemáticos com dados observacionais, processados por um algoritmo de deep learning. Além de modelar os fenômenos hidrológicos sob estudo, o sistema treinado foi capaz de prever as movimentações de água na região amazônica num período futuro, com precisão maior que os modelos matemáticos.
O novo método se mostrou eficiente para analisar as regiões tropicais, onde a maior parte da água continental se concentra. Nas regiões mais secas, a análise de padrões locais do ciclo da água foi menos eficiente devido à menor variabilidade das reservas de água, o que deve ter impactado o treinamento do modelo de machine learning.
Investigações futuras usando a maior sensibilidade disponibilizada por este método devem ajudar a desvendar o impacto das mudanças climáticas na hidrologia continental, os fatores de estresse para ecossistemas causados por secas ou enchentes, e ainda direcionar estratégias de gerenciamento da água em regiões urbanas e agriculturais.