O ato de pegar um objeto é tão corriqueiro que nós o realizamos sem qualquer esforço consciente, mas em termos de atividade cerebral, a complexidade é relativamente alta. Primeiro, usamos a visão para determinar o formato do objeto e sua distância. Também usamos pistas visuais para determinar características como sua fragilidade ou rugosidade, de forma a ajustar a força que será aplicada. Por fim, ativamos uma série de mecanismos motores para mover o braço e posicionar os dedos na posição ideal. Se por um lado a automaticidade deste mecanismo facilita nossa vida, por outra, sua compreensão limitada prejudica o desenvolvimento de próteses que poderiam substituir eventuais funções biológicas danificadas.
Com o objetivo de esclarecer o mecanismo cerebral que governa este processo, pesquisadores do Instituto Leibniz para a Pesquisa de Primatas, na Alemanha, desenvolveram uma rede neural que foi capaz de representar o planejamento complexo do movimento, desde a atividade de olhar um objeto até o ato de pegá-lo com as mãos. O modelo foi treinado com dados obtidos de experimentos realizados com macacos resus. Estes macacos têm um sistema visual muito parecido com o nosso, além de serem predominantemente destros. Em trabalhos anteriores, já havia sido estabelecida a interação de três áreas cerebrais na tarefa de pegar um objeto. Desta vez, os macacos foram testados pegando 42 objetos de formatos e tamanhos diferentes, enquanto usavam luvas que capturavam os movimentos dos braços, das mãos e dos dedos. Depois, um sistema com arquitetura de uma rede neural recorrente, composta por três módulos que correspondiam às áreas cerebrais envolvidas, foi treinado tendo como entrada imagens dos objetos, e como saída os padrões de ativação muscular registrados nos macacos. Este sistema foi capaz de reproduzir os padrões de ativação observados no cérebro durante cada fase do planejamento motor, o que permitiu estabelecer como a informação “viaja” pelo cérebro durante a execução da tarefa. Como validação adicional, os pesquisadores introduziram “lesões” nos módulos artificiais, que geraram déficits similares aos observados em estudos de lesão biológica, o que dá robustez ao trabalho como modelo matemático do processo de pegar objetos.
Os autores observam que o uso deste modelo modular teve desempenho superior aos modelos alternativos para explicar dados neurais, ainda que o treinamento sequer tenha usado dados neurais diretamente, o que sugere que as entradas, saídas e limitações arquiteturais impostas foram suficientes para modelar o processamento no circuito da ação estudada. Isto por sua vez reforça a relevância das redes neurais artificiais no entendimento dos processo neurais biológicos.
A expectativa é que a melhor compreensão de um processo tão complexo possa ser utilizada no futuro para, por exemplo, desenvolver neuropróteses capazes de substituir conexões danificadas entre nervos e extremidades, e assim restaurar a transmissão de comandos motores do cérebro para braços e pernas.