Inteligência artificial esclarece caminho evolutivo de genes associados a doenças

A aplicação da inteligência artificial com fins práticos já faz parte de nossas rotinas, mas esta tecnologia também tem sido utilizada como ferramenta de investigação por cientistas. É o caso do trabalho realizado por uma equipe que reúne pesquisadores da Faculdade Imperial de Londres, da Universidade Técnica do Oriente Médio na Turquia, e da Universidade de Bari Aldo Moro, na Itália. Eles usaram redes neurais para descobrir assinaturas genéticas capazes de inferir a história evolutiva de genes, e assim classificar em qual etapa desta história o gene se encontra.

A seleção natural é o processo pelo qual mutações genéticas benéficas são preservadas nas próximas gerações, até que elas se tornem dominantes no genoma, e passem a fazer parte do DNA que define aquela espécie. Genes desta categoria incluem aqueles que conferem alguma proteção a patógenos. Acontece que, eventualmente, uma população pode se deslocar para outro ambiente ou mudar seu estilo de vida, e um gene que era benéfico pode passar a ter consequências maléficas, quando faz com que a população se torne suscetível a outro patógeno até então desconhecido, por exemplo. É o caso da febre mediterrânea familiar, uma doença autoimune que surgiu há cerca de 20 mil anos, e que é comum no sul da Europa, no Oriente Médio e no Norte da África.

Mas se a seleção natural seleciona atributos positivos, como pode um gene que causa prejuízo estar presente em uma população? Há duas possibilidades. A primeira, chamada de “limpeza incompleta”, é que o gene está em processo de eliminação, mas como a seleção natural age de forma lenta, ainda não deu tempo dele desaparecer. A segunda, a “seleção equilibrada”, diz que, ainda que o gene cause um efeito detrimental conhecido, ele pode causar um benefício desconhecido que compensa e garante sua permanência na espécie.

Descobrir qual é o caso não é fácil, pois as assinaturas genéticas características destes dois processos são bastante sutis. Foi para resolver esta questão que os cientistas do trabalho recorreram à inteligência artificial. Eles testaram uma rede neural densa e uma rede neural convolucional para gerar simulações da evolução de alguns genes de interesse, entre eles aquele que causa a febre mediterrânea, e assim descobrir qual caminho seletivo estes genes estavam trilhando.

O trabalho, publicado em março, usou o genoma de 2504 indivíduos de 26 populações, incluindo aquelas onde a febre ocorre. Ambas as arquiteturas alcançaram alta precisão na identificação dos genes que estavam passando por seleção recente, mas a rede convolucional se mostrou mais robusta. Ela foi utilizada para avaliar variantes do gene associado à febre mediterrânea, estabelecendo que estas variantes estavam no processo de limpeza incompleta, o que indica que elas devem desaparecer no decorrer de algumas gerações.

Os autores chamam atenção para o fato de que não existe um método alternativo para fazer este tipo de análise. Além disso, seu método teve excelente desempenho, o que eleva seu potencial uso com o amadurecimento dos estudos. Eles agora estão avaliando genes relacionados à interação de seres humanos com vários tipos de coronavírus, o que pode ajudar a explicar porque algumas populações parecem ser mais suscetíveis à infecção pelo novo coronavírus, e aos efeitos da COVID-19.

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