Para que nós possamos caminhar, o cérebro envia comandos executivos para neurônios localizado na coluna lombossacra, que é a região da coluna vertebral no nível da região lombar e do quadril. Danos à coluna interrompem essa comunicação, tendo como consequência mais severa a paralisia permanente. Algumas tentativas de devolver os movimentos da perna a vítimas desse tipo de lesão envolvem implantes para produzir estímulos elétricos nos neurônios lombares, entretanto esses sinais devem ser acionados por mecanismos pouco naturais como movimentos residuais de músculos próximos, tornando os resultados bastante limitados em termos de variedade e qualidade.
Mas um trabalho revolucionário publicado no final de maio na conceituada revista Nature mostra como pesquisadores do Hospital Universidade Lausanne, na Suíça, utilizaram inteligência artificial para construir uma “ponte digital” entre o cérebro e a coluna, substituindo completamente a região danificada, que foi capaz de, de certa forma, transformar diretamente a intenção de se locomover em ação. Esta chamada interface cérebro-coluna (BSI, sigla em inglês para brain-spine interface) consiste de um sistema implantado para leitura de sinais cerebrais, e outro para estimulação dos neurônios motores correspondentes. A inteligência artificial é responsável justamente por transformar o sinal cerebral, captado por eletrocorticografia (ECoG), em sinal motor. O algoritmo multilinear aplicado na tarefa foi desenvolvido para gerar duas predições separadas. A primeira calcula a probabilidade de uma intenção mover uma articulação específica, enquanto que a segunda prediz a amplitude e direção do movimento. Em modo de treinamento, o sistema é ajustado até que a intenção esteja produzindo o movimento desejado. No final do desenvolvimento, foi possível calibrar uma interface com alta confiabilidade em poucos minutos, e o procedimento se mostrou estável por mais de um ano, mesmo quando o usuário estava utilizando o sistema em casa, e não em ambiente de laboratório.
Como este ainda é um trabalho preliminar de risco elevado, pois exige a aplicação de implantes permanentes, apenas um paciente foi contemplado no estudo, mas ele reportou que o sistema lhe permitiu ter um controle natural de suas pernas para se levantar, caminhar, subir escadas e até atravessar terrenos complexos. Além dos efeitos práticos, a técnica melhorou sua recuperação neurológica, de forma que ele passou a conseguir andar de muletas mesmo com o sistema desligado.
Apesar da justificada empolgação com a inteligência artificial generativa, é importante lembrar que esta tecnologia tem muito mais a oferecer. Este trabalho é um exemplo claro de como ela pode ajudar a resolver problemas praticamente impossíveis sem sua ajuda nos mais variados domínios.