O câncer do trato gastrointestinal superior é uma das formas mais comuns de tumor maligno. Uma vez que os sintomas tendem a ser latentes e não específicos, a doença costuma ser descoberta apenas em estágio avançado, resultando em alta mortalidade. Uma das técnicas diagnósticas com melhor desempenho é a endoscopia, que tem melhorado os índices de detecção e mortalidade. Entretanto, o diagnóstico correto ainda apresenta um gargalo técnico. Em regiões mais isoladas, com baixo volume de pacientes, a baixa expertise dos analisadores das imagens aumenta o risco de que a detecção seja ineficiente. Em regiões com muitos pacientes, a qualidade também pode ser comprometida pela alta demanda.
Inspirados pelos avanços diagnósticos alcançados no estudo de outras doenças, pesquisadores da Universidade Sun Yat-sen, na China, pensaram em aprimorar o processo usando inteligência artificial. Primeiro eles procuraram na literatura mais recente estudos que usassem a tecnologia na detecção de câncer gastrointestinal, e apesar de terem encontrado resultados promissores, perceberam que a quantidade de trabalhos era limitada, muitos estudos eram retrospectivos, tinham um número amostral pequeno e/ou aplicavam validação inadequada, não permitindo inferir conclusões definitivas sobre sua aplicabilidade clínica. Eles estão se dedicaram ao desenvolvimento do Sistema Diagnóstico Gastrointestinal por Inteligência Artificial (GRAIDS, Gastrointestinal Artificial Intelligence Diagnosis System), um modelo de deep learning de segmentação semântica que fosse capaz de detectar esse tipo de câncer a partir de lesões suspeitas durante exames endoscópicos, de forma automatizada e em tempo real.
O treinamento e validação do modelo usou mais de um milhão de imagens obtidas de quase 85 mil pacientes, de seis hospitais chineses com diferentes níveis de especialização. Para aumentar a potencial aplicabilidade, só exames usando luz branca foram incluídos no estudo. A performance do GRAIDS foi avaliada também em hospitais menos experientes, com um volume menor de pacientes com a doença. O sistema obteve sensibilidade comparável àquela de endoscopistas experientes, com precisão superior a 90%, sendo mais preciso que técnicos de nível mais baixo (competentes e trainees) geralmente encontrados em centros médicos não especializados. A latência de análise foi de 40 milissegundos, possibilitando o uso do sistema em tempo real durante os exames, o que representa um enorme avanço frente ao método tradicional.
O trabalho, publicado no último dia 4, já gerou suas primeiras consequências práticas. Uma plataforma multi-institucional baseada na nuvem foi desenvolvida para disponibilizar assistência em tempo real no diagnóstico durante exames endoscópicos, de forma a servir como uma segunda opinião de nível expert, diminuindo o risco de deixar passar lesões suspeitas.