A descoberta dos antibióticos iniciou uma nova era no combate às infecções bacterianas. Por alguns anos, os cientistas vibraram com a possibilidade de terem vencido definitivamente a guerra contra uma das principais causas de complicações e morte. Mas logo a história se revelou mais complicada, já que as bactérias se mostraram determinadas a sobreviver. Através de um mecanismo chamado de desenvolvimento de resistência, as bactérias são capazes de desenvolver defesas manifestas por algum mecanismo que anula o efeito da droga. Assim, ficou claro que a busca por novos medicamentos deveria ser constante.
Moléculas produzidas naturalmente por fungos, plantas e outros organismos são uma das principais fontes de pesquisa para novos antibióticos, mas encontrar uma molécula com as propriedades desejadas é muito difícil. Tanto que, já há algumas décadas, todas as novas classes de medicamentos antimicrobianos são modificações químicas de moléculas anteriores.
A inteligência artificial encontrou nesse ramo de pesquisa um terreno fértil para potencializar o desenvolvimento de novas moléculas, reduzindo os riscos e maximizando os resultados. Um dos laboratórios na vanguarda desse movimento é sediado na Universidade de Pennsylvania, comandado pelo Dr. Cesar de la Fuente. No ano passado, ele publicou um artigo detalhando como usou um algoritmo genético, que imita o mecanismo de melhoria continuada realizado pelo processo da seleção natural, para promover mudanças na estrutura química de um peptídeo presente na goiaba, originalmente com efeito antibiótico fraco. Peptídeos são pequenas moléculas formadas por cadeias de aminoácidos, os blocos fundamentais que também formam as proteínas. Apesar do potencial conhecido há décadas, peptídeos de origem vegetal nunca se mostraram viáveis para uso em ambiente clínico. O design guiado pelo algoritmo permitiu a síntese de uma molécula com duas propriedades complementares em seu efeito: uma parte com carga positiva, que fazia com que ela fosse atraída pelas membranas negativas das células bacterianas, e outra região hidrofóbica, que fazia com que ela desestabilizasse essa mesma membrana, causando a morte do microrganismo.
A pesquisa realizada no laboratório de la Fuente é focada na utilização de aminoácidos. Os 20 aminoácidos principais podem se combinar de milhões de maneiras diferentes, cada uma tendo uma potencial ação biológica. Entretanto, apenas 1% dessas configurações existem na natureza, e os pesquisadores utilizam a inteligência artificial para explorar justamente essa porção gigantesca de possibilidades desconhecidas. Dada essa vastidão, é até provável que moléculas com efeitos surpreendentes estejam, de certa forma, apenas esperando serem encontradas. A tecnologia computacional ajuda a fazer uma exploração mais direcionada nesse espaço de possibilidades. Atualmente, os cientistas do laboratório estão buscando otimizar também o processo de síntese e teste das moléculas, para que um loop de feedback positivo possibilite um sistema com capacidade de auto-aprendizado, que possa testar e melhorar seus resultados com base nos efeitos observados que esses resultados alcançam.
Abordagens inovadoras como essa vêm num momento apropriado, já que autoridades de saúde pública têm frequentemente chamado a atenção para o surgimento de supermicróbios sem tratamento conhecido. Quando as ferramentas de pesquisa tradicional se mostram ineficientes, a inteligência artificial pode abrir novas portas para que o progresso científico se mantenha nos trilhos.
Excelente!!
Realmente excelente. Sou biólogo, mestrando em biotecnologia e tenho interesse na aplicação de IA em problemas das ciências biológicas e da saúde. Parabéns pelo texto e , por favor, continuem produzindo material nessa linha.
Que bom que gostou Lucas! 🙂