O ser humano evoluiu para ser um exímio analista das expressões faciais de outras pessoas. Através das expressões faciais, nós conseguimos interpretar, de forma automática e inconsciente, as experiências subjetivas das pessoas com quem estamos interagindo, e assim inferir o que elas estão sentindo, seus desejos e intenções. Esse é um mecanismo muito importante que torna possível nossa vida social. O estudo sobre como as emoções, que elicitam as expressões faciais, são geradas e processadas no cérebro, é em parte dificultada porque não temos acesso direto a esse órgão. Quando esse é o caso, os cientistas geralmente recorrem a modelos animais. Mas apesar de os cientistas já saberem que os animais mais próximos evolutivamente do ser humano também performam expressões faciais, até agora nunca esteve claro se existe uma correlação entre as expressões e as emoções, como ocorre com humanos, e principalmente, se as correlações são similares às nossas. Além disso, se por um lado somos muito bons em analisar as expressões faciais de nossos amigos e familiares, não se pode dizer o mesmo quando tentamos interpretar as expressões de outros animais, como aqueles usados como modelos nesse tipo de estudo, de forma que precisamos de outros meios para classificar o que eles estão demonstrando no rosto.
Um estudo publicado no início de abril traz avanços nesse sentido. Os pesquisadores, filiados ao Instituto Max Planck de Neurobiologia, na Alemanha, recorreram à inteligência artificial para identificar as expressões faciais de ratos. Eles mantiveram a cabeça dos animais fixadas e elicitaram diferentes emoções com estímulos apropriados. Por exemplo, eles evocaram prazer ou desgosto colocando soluções doces ou amargas na boca dos ratos, aplicaram pequenos choques elétricos na cauda para induzir medo, ou injetaram soluções que provocam mal-estar. As reações faciais foram filmadas e analisadas por algoritmos de machine learning. Assim foi possível identificar que grupos particulares de músculos faciais reagiam consistentemente ao tipo de estímulo aplicado. Por exemplo, um rato experimentando prazer move seu nariz para baixo em direção à boca, enquanto também move suas orelhas e mandíbula para a frente. Além disso, foi possível reconhecer que as reações faciais eram persistentes e sua intensidade estava correlacionada com a força do estímulo – como ocorre com humanos.
Mas os pesquisadores não estavam interessados somente em ler as expressões dos animais. Na sequência do estudo, eles conseguiram identificar que algumas regiões do cérebro eram ativadas em função do estímulo elicitado. De novo, da mesma forma que ocorre nas pessoas. Essas conclusões reforçam a validade do uso desses animais como modelos para estudar a manifestações de emoções nas pessoas, já que reforça que a codificação das emoções é conservada evolutivamente. A ativação artificial das regiões cerebrais associadas a emoções específicas produziu as expressões faciais correspondentes, o que permite inferir uma relação causal entre ativação no cérebro e manifestação física, algo elusivo até então. Uma observação inédita ainda foi feita: alguns neurônios individuais foram ativados quando emoções particulares foram evocadas. De acordo com os cientistas, isso pode representar parte do processo de codificação das emoções no cérebro.
O estudo demonstra uma aplicação inteligente e inovadora dos princípios da inteligência artificial na pesquisa básica, oferecendo uma solução que até então não estava disponível por outros meios. Mas, nesse caso em particular, também tem um potencial prático interessante. Nós já somos relativamente bons em analisar os desejos dos nossos animais de estimação através de suas reações, mas um algoritmo treinado na tarefa alcançaria níveis de precisão ainda maiores. Isso poderia ser um canal de comunicação adicional com as espécies com que mantemos um relacionamento mais próximo.