Numa era onde o planeta é cercado por satélites, pode parecer improvável que ainda tenhamos algo surpreendente a descobrir sobre a superfície da Terra. Mas a bem da verdade, as imagens coletadas por estes equipamentos têm limitações de qualidade, e as áreas cobertas são muito extensas para serem inspecionadas por pessoal qualificado. É um caso onde existem dados para análise, mas a qualidade não é ideal e há poucos analistas.
Um trabalho liderado por um cientista da Universidade de Copenhagen, na Dinamarca, apresentou uma solução para este entrave, baseada em inteligência artificial – e com ela, uma descoberta pouco intuitiva. Uma rede neural foi treinada com imagens de satélite para reconhecer a presença de diferentes tipos de árvores, a partir de áreas de floresta, onde elas são bem caracterizadas. Depois, os cientistas usaram o modelo para reconhecer árvores em uma região muito mais incomum: uma ampla faixa do deserto do Saara, no oeste africano. A área coberta é de 1,3 milhão de km2, cerca de 30 vezes maior do que a Dinamarca. Surpreendentemente, o algoritmo conseguiu reconhecer cerca de 1,8 bilhão de árvores e moitas nesta região onde a incidência de chuva pode chegar a ser nula. A densidade de vegetação tende a crescer conforme a aridez diminui, variando de 0,7 a 47 árvores por hectare. Para habitats de uma natureza tão hostil, esta concentração é considerada alta e desafia as noções até então prevalentes sobre a desertificação de zonas secas.
A presença de árvores no deserto é interessante porque vegetações tão complexas costumam estar associadas a uma maior biodiversidade, já que servem como estoque de carbono e fonte de alimentos e abrigo para animais e pessoas. Portanto, esta descoberta pode despertar o interesse para a pesquisa por novos ecossistemas em um ambiente que antes se pensava ser muito mais estéril.
Os pesquisadores consideram que esta descoberta seria muito improvável sem a ajuda da inteligência artificial, já que é muito difícil reconhecer as características típicas de árvores nas imagens de satélite disponíveis, e o volume de imagens é enorme. Para além deste trabalho, a tecnologia mostra potencial para a documentações de mudanças em escala global, orientando políticas como aquelas relacionadas ao gerenciamento das mudanças climáticas.