As evidências arqueológicas e genéticas apontam para o surgimento do homem moderno na África, há cerca de 300 mil anos. A história da humanidade depois disso ainda é assunto de debate. Se por um lado os registros fósseis fazem parecer que houve vários eventos de saída do continente africano, alguns estudos genéticos recentes sugerem que ouve um único evento. Na melhor das hipóteses, apenas uma dessas migrações perdurou para dar origem à população não-africana. Ainda é possível que, mesmo após deixar a África, os demais grupos tenham retornado, até que eventualmente houve uma saída definitiva. Testar essas teorias com as ferramentas atuais é difícil, pois não há DNA ancestral disponível com mais de 15 mil anos.
Mas pesquisadores da Estônia e da Itália apostaram na inteligência artificial para investigar este mistério. Eles se basearam no sucesso recentemente evidenciado pelo uso de redes neurais em estudos de genética populacional, onde dados de DNA podem ser gerados artificialmente de acordo com diferentes teorias até que uma delas se prove correta. Foi exatamente isso que eles fizeram, desenvolvendo o sistema que eles chamaram de ABC-DLS (Approximate Bayesian Computation Using Deep Learning and Sequential Monte Carlo Method, ou computação bayesiana aproximada usando deep learning e método sequencial de Monte Carlo). O modelo se inspira em outras ferramentas similares disponíveis, mas apresenta algumas melhorias que se refletiram em acurácias maiores, como a possibilidade de treinar com bancos de dados comparativamente maiores, a utilização de computação bayesiana que fornece suporte estatístico para as predições da rede neural, e a aplicação do método Monte Carlos para os ciclos de iteração.
Os resultados produzidos apontam para o fortalecimento da teoria chamada de Back to Africa, segundo a qual houve um evento migratório de saída do continente há cerca de 60 mil anos, mas também houve dois episódios de migração intracontinental, uma há 71 mil anos e outra há 48 mil anos, que fizeram com que as populações do Oeste, no primeiro caso, e do Norte, no segundo, se deslocassem para o Leste. Como foram as populações do Norte que eventualmente se instalaram na Europa e na Ásia, isso explica a maior afinidade genética entre africanos ocidentais e eurasianos.
Segundo os cientistas, uma hipótese similar já havia sido proposta considerando dados do cromossomo Y, que é transmitido exclusivamente pela linha paterna, mas esta é a primeira vez que o fenômeno foi demonstrado usando o DNA total, o que dá mais robustez ao estudo.
A inteligência artificial foi essencial para preencher esta lacuna da história de nossa espécie, mostrando um novo nível de detalhamento para o complexo processo migratório que nos levou a habitar todos os cantos do mundo.