A pior fase da pandemia do novo coronavírus parece já ter passado, mas os cientistas já estão preocupados com a próxima pandemia. Se a atual crise nos lembrou que vírus com efeitos desastrosos podem acometer os seres humanos vindos de outros animais, descobrir quais desses vírus pode representar risco é uma tarefa atualmente intratável, já que apenas uma pequena fração faz este pulo. Hoje é muito fácil sequenciar o genoma desses vírus, mas extrair informação útil das sequências é outra história, já que muitos dos novos vírus descobertos têm poucos dados biológicos disponíveis. Sem saber que proteínas o genoma do vírus codifica, fica difícil prever o que ele poderia causar ao saltar para hospedeiros humanos.
Agora, graças a um trabalho desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Glasgow, na Escócia, este entrave pode estar mais próximo de ser superado. Os cientistas treinaram uma inteligência artificial para prever o chamado potencial zoonótico dos vírus, ou seja, a capacidade de passarem a infectar um hospedeiro humano, a partir exclusivamente da sequência de seu genoma. O trabalho envolveu o genoma de 861 espécies de vírus, pertencentes a 36 famílias diferentes, cujo efeito nos seres humanos já era bem documentado. Depois, o modelo foi usado para analisar genomas adicionais, obtidos de espécies diferentes. O modelo conseguiu identificar características do genoma que tornam os vírus mais prováveis de se adaptarem para infectar humanos. Curiosamente, o trabalho também revelou que nem sempre os vírus perigosos são de uma mesma família, que era algo especulado como quase certo, mas que nunca havia sido testado.
Adicionalmente, os pesquisadores usaram o modelo para analisar o genoma do SARS-CoV-2, o vírus causador da COVID-19, que foi identificado pelo sistema como de alto risco, mesmo ele não tendo recebido qualquer informação prévia sobre outros coronavírus.
O trabalho pode representar um divisor de águas na área, já que há uma abundância de sequências de genoma disponíveis, mas poucas ferramentas adequadas para sua análise. Agora, não parece mais ser preciso correlacionar a informação genética com aspectos do ciclo biológico do vírus para fazer predições sobre seu risco aos seres humanos.
Os pesquisadores ainda comentam que a predição feita pelo modelo é apenas uma parte na definição de medidas públicas, já que outros fatores como sua virulência, taxa de transmissão e condições ecológicas durante o contágio também são relevantes. Entretanto, não deixa de ser uma parte que até então, por limitações tecnológicas, não era adequadamente atendida, mas que a inteligência artificial se mostrou hábil para realizar.